sábado, 19 de julho de 2014

Uma "Quase" Viagem Para Manaus


Esta é uma história sobre descaso governamental, desespero, mas acima de tudo, é uma história sobre bondade.


Ontem (18/07), por volta das 9h da manhã, eu e mais dois amigos partimos de Boa Vista - RR para Manaus - AM. Um de meus amigos foi dirigindo, enquanto eu e minha amiga tentávamos ser passageiros agradáveis.



São 748,8 km de estrada de Boa Vista para Manaus. Uma viagem que dura, em média, de 10 a 12 horas.

Estávamos todos ansiosos pela viagem, não só por ser o único fim de semana onde todos os 3 poderiam viajar, mas também porque um amigo nosso de Manaus completa hoje 30 anos.

A estrada no lado roraimense da BR174 apresentava-se relativamente boa, nenhum tapete, mas se comparado à outras vezes, permitia um tráfego decente.

No caminho, fizemos uma boa ação e levamos até Caracaraí um garotinho de 13 anos que estava na estrada em desespero pois sua mãe havia tido "algum problema no coração" e estava no hospital.

Essa boa ação seria recompensada.

Almoçamos em Rorainópolis e seguimos viagem... Pouco a pouco, a estrada que antes estava boa começou a mostrar suas presas.

A BR174 corta a Reserva Indígena Waimiri-Atroari, e dentro desta há uma ponte que marca a fronteira entre Roraima e Amazonas.

E é a partir do início desta reserva, mas precisamente no lado amazonense desta, que o pesadelo começa. A estrada que até agora se apresentava relativamente transitável, passou a se tornar um queijo suiço, cheio de buracos, sem asfalto, estrada de puro chão barrento.

Até aí, mais do mesmo, não era a primeira vez que enfrentávamos uma estrada cheia de buracos.

Após esse queijo suiço, a estrada melhorou, ainda de chão, mas sem tantos buracos. Aumentamos um pouco a velocidade, sempre nos mantendo dentro dos limites de velocidade permitidos. Mas mesmo esse cuidado não foi capaz de prever o que viria.

Um buraco.
Ou melhor, praticamente uma cratera.


Entretanto, o formato do buraco mesclava-se com a linha do horizonte da estrada, o que resultou em - mesmo com os reflexos apurados do motorista - numa (muito) desagradável batida da parte da frente e de
baixo do Blue (nome carinhosamente dado ao carro).

O motor fez um barulho estridente, fumaça começou a sair, e alguma coisa começou a pipocar dentro do capô.

Rapidamente paramos o carro um pouco após a cratera, respiramos aliviados pelo carro não ter capotado e estarmos todos bem, e descemos para ver o estrago.

E que estrago!



Nessa hora passa muitas coisas pela cabeça.
"Meu deus ainda nem paguei ele todo!"
"O concerto vai ser uma fortuna!"
"Acabou as férias!"
"Merda, não tenho seguro!"

Aí a cabeça tira o foco do carro e o novo foco se torna a situação como um todo:
"Como diabos vamos sair daqui?!"

É o momento em que todos entram em pânico e desespero, mas fazem a cara mais calma do mundo para não deixar os parceiros mais nervosos ainda.

Rolou um lindo abraço em trio, na tentativa de melhorar o imedicável humor do motorista - e dono do carro.

Depois desses devaneios é a hora de pensar em uma solução.
"Vamos ter que voltar pra Boa Vista!"

Mas como?

Pros que desconhecem o fato, ao longo da BR174, são poucos os locais onde celulares funcionam. E estávamos em uma destas áreas de não funcionamento.

A solução era esperar por alguém que pudesse nos levar até o vilarejo mais próximo com acesso telefônico, ou esperar um caminhão cegonha (que normalmente estão lotados), ou esperar o horário em que os índios fecham a reserva (não permitindo a entrada e obrigando a saída... De acordo com o que nos disseram eles possuem toda a maquinaria para retirar os "cara-pálida" e seus carros no prego da reserva indígena, mas que - nas palavras de um gentil motorista que parou o carro para nos auxiliar - em troca eles levam a mulher com eles, fato que minha amiga desejou que fosse apenas uma piadinha do motorista brincalhão).

Foi quando a boa ação mencionada lá em cima pagou sua dívida.

Um caminhoneiro que trabalha com frete de máquinas pesadas apareceu sem NENHUMA máquina pesada em seu caminhão. Ele e o filho tentaram nos ajudar, sem muito sucesso no quesito "mecânica", então eles decidiram que era melhor colocar o carro no suporte da traseira do caminhão e nos levar até um local com sinal telefônico para contratarmos um guincho.

"Um guincho... Daqui até Boa Vista... Isso vai ser uma fortuna!!!"

"Mas pelo menos estamos vivos e bem... Deus sabe o que faz" - É a frase que dizíamos a nós mesmos para evitar os pensamentos negativos que a situação impunha.

Passamos alguns perrengues para colocar o carro no suporte traseiro do caminhão, mas contamos com a bondade de outros caminhoneiros que pararam para dar uma força.



Bondade.

Palavra que define o resto da nossa viagem.

O bondoso caminhoneiro ao longo do caminho decidiu que iria nos levar até Boa Vista. Imagine o alívio que sentimos.

Ouvimos um pouco de sertanejo das antigas. Relembrou-me a infância com meu vovô e minha vovó.

Ainda tivemos a chance de assistir lindos (e até hilários) momentos entre pai e filho. Trabalho, estudo, comportamento, respeito. Todas as preocupações que um pai tem para com seu filho rolou naquela conversa. E todo o descaso de um filho adolescente com as preocupações sobre o futuro também (o que me lembrou das aulas de Pediatria e da chamada Síndrome da Adolescência Normal).

Jantamos em Colina, um vilarejo próximo de Rorainópolis. Conhecemos um pouco mais sobre a vida do bondoso caminhoneiro, e vice-versa. Ao chegar em Rorainópolis conseguimos sinal e ligamos para avisar àqueles que aguardavam nossa chegada sobre o ocorrido.

Consegui finalmente dormir um pouco, minha amiga conseguiu tirar um breve cochilo, o meu outro amigo não pregou o olho... Fiquei um pouco triste pensando no que estaria passando pela cabeça dele naquele momento. É chato você não saber o que fazer pra ajudar um amigo tão especial num momento ruim como aquele.

Eventualmente, chegamos em Boa Vista, agradecemos muito o bondoso caminhoneiro que, no final, nem mesmo nos cobrou pela viagem.

É engraçado pensar que tantas vezes recebi ajuda, em momentos críticos, de pessoas que eu nunca imaginaria.

Um flanelinha (uma outra longa história, talvez eu conte aqui algum dia).

Um bondoso caminhoneiro e seu filho adolescente.

No final, uma estrada FEDERAL que deveria fornecer um trânsito agradável acabou com nossa viagem. Mas um caminhoneiro e seu filho mostraram pra gente que ainda existe gente boa no mundo, e renovaram nossa fé na humanidade.

Quero deixar meu claro desprezo pelo descaso do nosso governo brasileiro.

Mas também quero deixar meu profundo agradecimento ao bondoso caminhoneiro e seu filho. Espero algum dia poder retribuir.


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